29 novembro, 2005



BOAS MANEIRAS

O sangue escorre pelos lados, misturado com porra quente. Com olhar terno a dona escarra o pedaço tenro de carne da boca, lambe os beiços e observa a mascara de horror do desfalecido. Aquele imbecil podia muito bem ter avisado antes. Bastava ele avisar, tomaria tudo sofregamente até não sobrar uma única gotícula. Mas não, ele tinha que bancar o safo, tinha que se achar no direito, tinha que me tomar o prazer. Enquanto se veste das cintas-ligas, se calça com os scarpins, se reveste no tailer, o corpo jaz inerte, incompleto, gemente, feição se acentuando doloridamente. Muito calmamente ela pega o resto do chão e com toda a delicadeza de uma lady na mesa, anda elegantemente até o lugar onde sua bolsa caíra, abaixa-se com uma mão cobrindo o sexo, como toda boa moça de família aprendeu quando menina, apanha-a, abre-a, toma um lenço, limpa cada canto da boca e um resto de lágrima que borrou seu rosto, enrola seu prêmio, guarda-o junto com tudo que uma mulher precisa para estar linda. Em câmera lenta caminha até o toilet, lava as mãos com um daqueles sabonetes de boneca, lembra do batom, retoca o rosa dos lábios, vê as horas, ainda faltam 3 pro amanhecer, pode deixa-lo dormir diz ela ao telefone, paga em dinheiro vivo, olha-o da porta, faz charme com os cabelos, entra no carro, põe a chave na ignição e antes da partida pensa alto: Quem sabe o próximo é um pouco mais cavalheiro.



Ps1. Esse é mais um dos textos que estão dentro do meu livro, ainda inédito, Inexperiências Poéticas.
Ps2. Passei a mão em mais um foto do Getty Images, psiu...

21 novembro, 2005




SENTENÇA

Quando Eu é meu juiz
Ser é ser
Tudo que me contradiz


Ps: Ilustração surrupiada, mais uma vez, do Getty Image

18 novembro, 2005


HOLOCAUSTO

Tem um papel de mentira na minha frente, uma pena falsa na ponta de meus dedos, tentando esconder os meus segredos, querendo escravizar a minha mente.

Por onde andam os "ós" de copo de café, a baba que borra o nanquim, o cheiro de cigarro, os traços tortos que zombavam da fé?

Cadê os guardanapos bêbados, psicografados, molhados de cerveja?

Onde pararam os bolsos, amarrotados, repletos de palavras. Aonde mesmo que fica aquela lata de lixo onde enterrei tanto do meu sentimento?

E as cinzas, as tantas cinzas espalhadas no vento?

Queria encontrar cada partícula de vergonha que eu sacrifiquei a mim mesmo.

Fico aqui então, tentado lembrar do que não lembro, tentando chorar.

Engula o choro menino!

Os olhos sorvem de volta palavras e lágrimas misturadas e enquanto estou encolhido num canto, de cabeça entre as pernas, brota-me um pensamento: tá tudo aqui dentro, tudo aqui dentro, tudo aqui, dentro.

Ps1. Esse texto faz parte do meu livro, ainda inédito, "Inexperiências Poéticas".

Ps2. A imagem dessa vez eu roubei de mim mesmo.

16 novembro, 2005


COVARDIA
Menos que um triz durou o cruzar de olhares. Parecia espelho, mas não, de um lado espanto, do outro confusão. Um ficou fascinado com a possibilidade de ver-se copiado e o outro amedrontado pela probabilidade de estar alucinado. O derradeiro correu, peitos de pé percutindo a bunda, como quem tromba um malassombro. E o primeiro o perseguiu meio que só pra conferir seu assombro. Virou a esquina o cara medroso, se encostou, olho esbugalhado, dor de veado, coração na garganta... Dobrou a quina o tal corajoso, olhou intrigado a cor do assustado e fez a pergunta:
- Quem é tu porra!? - I...e...eu?...Tu num sabe não? - Sei porra nenhuma!...Caralho! Tu é igual a mim. - So..sou não, é não, é mentira! - Ta me chamando de mentiroso seu filha duma puta!?
Ni..n..nã...ãããooo...TBUF!.. POFT!.. TEBEI!...PEI! BUF. E aqui jaz o homem que temia até a sua própria sombra.
Ps. A Foto é de Betsie Van Der Meer, gentilmente subtraida por mim do site Getty Image.

10 novembro, 2005



*LE CHIEN ET LE FLACON

"Mon beau chien, mon bon chien, mon cher toutou, approchez et venez respirer un excellent parfum acheté chez le meilleur parfumeur de la ville."Et le chien, en frétillant de la queue, ce qui est, je crois, chez ces pauvres êtres, le signe correspondant du rire et du sourire, s'approche et pose curieusement son nez humide sur le flacon débouché; puis reculant soudainement avec effroi, il aboie contre moi, en manière de reproche."-- Ah! misérable chien, si je vous avais offert un paquet d'excréments, vous l'auriez flairé avec délices et peut-être dévoré. Ainsi, vous-même, indigne compagnon de ma triste vie, vous ressemblez au public, à qui il ne faut jamais présenter des parfums délicats qui l'exaspèrent, mais des ordures soigneusement choisies.

[Charles Baudelaire]
*Tradução:

O CÃO E O FRASCO

"Meu belo cão, meu bom cão, meu caro totó, se aproxime e venha respirar um excelente perfume comprado no melhor perfumista da cidade. E o cão, balançando a cauda, o que é, acredito, nos pobres seres o signo correspondente do riso e do soriso, se aproxima e coloca curiosamente seu nariz úmido sobre o frasco destampado , depois recuando repentinamente com temor, ele late para mim, como se me reprovasse.” Ah! Cão miserável, se eu tivesse te oferecido um pacote de excrementos, você teria cheirado com delícia e talvez devorado. Desta forma , você mesmo, companheiro indigno da minha triste vida, é semelhante ao público, a quem não se deve jamais apresentar perfumes delicados que o exasperem, mas lixos cuidadosamente escolhidos.

[Charles Baudelaire]


Ps: fotografia afanada do site Getty Images.

09 novembro, 2005


READY-MADE

Devo não nego
(a)pago
Quando puder
Ps. A imagem é do ready-made "A Fonte", de Marcel Duchamp.

07 novembro, 2005


MORTO DE FAMA

A mediocridade que me consome
Busca a imortalidade
Os meus quinze minutos de fome

Ps. Todas as imagens utilizadas por aqui, exceto a do post anterior, foram surrupiadas do Getty Images (obrigado Getty Image, suas fotos são bastante inspiradoras).

01 novembro, 2005