01 agosto, 2009

SURRA

Cá estou, caído em mim, enroscado nas teias que eu mesmo teci, esperando o bote de meu próprio ferrão, temendo o veneno da minha própria peçonha, digerindo cada momento de dentro pra fora, como alguém que se espreita e se ri, esperando para dizer-me eu te disse, eu te disse. Debato-me em fúria, me insulto, me aponto, me bato no peito, me empurro, me provoco, me cuspo na cara, me acerto um soco na boca do estômago, me chuto, me digo levanta pra apanhar! Engatinho e levanto chorando, me olho nos olhos, pergunto porque? Não me respondo, sorrio com desdém, me dou uma sonora tapa na cara. O sangue escorre pra boca, sinto o sal e o ferrugem do gosto, me limpo com as costas da mão, bato a poeira que me arruinou a roupa, levanto a cabeça, engulo as lágrimas, caminho pra mim sentindo cada passo, cada dor, cada vergonha. Chego até mim e me abraço com toda força que pude reunir, e digo ao pé do meu ouvido - Já chega, já chega, eu me perdôo, me deixa em paz, me deixa ir, me deixa viver, me deixa sorrir, me deixa chorar, me deixa sentir, me deixa calar, me deixa dormir, me deixa acordar, me deixa seguir, me deixa. Me pego pelos ombros, afasto meu rosto de mim, me olho nos olhos, enxugo cada um deles com meus polegares, coloco uma de minhas mãos na minha nuca e me dou um beijo na boca, com força, com raiva, até faltar-me o ar. Olho minha cara espantada e me digo – Vai, vai, você venceu, pode ir.

20 julho, 2009


PINHO SOL, LUA, ESTRELAS, FLORES, SINOS, FOGOS DE ARTIFÍCIO, PASSARINHOS VERDES...

Pois é, meus caros 2 ou 3 leitores, pelo que vocês andaram lendo por aqui, A Latrina já está começando cheirar a lavanda e patchouli. Portanto, para não acabar de vez com a minha má reputação, criei um outro blog, INEXPERIMENTOS , onde publicarei todas as inexperiências cheirosinhas, doces e meigas, que vocês adoraram descobrir. Quanto À Latrina, vou continuar jogando por aqui o que não puder jogar no ventilador do mundo.

10 julho, 2009


DARSHAN

Como eu poderia prever, que aos 35 anos e 33 dias, que uns tais Drávidas quase esquecidos, viventes aproximadamente 4509 anos antes de mim, pudessem me explicar exatamente a realidade do meu amor por ela?

Como eu poderia imaginar que a deidade que eu vejo, na mulher do meu desejo corporificado, é a mais divina realidade de ser, estar e existir? Que o ato de amar é nada menos que enxergá-la tal como ela é de verdade?

Talvez eu nem precisasse saber do que já intuía, que seu corpo é o meu templo, os seu olhos meu oráculo, sua boca a minha fonte, suas mãos o meu guia, suas pernas meu alicerce, o seu ventre meu altar, o seu prazer meu sacerdócio e o meu gozo uma oferenda. Sempre busquei um motivo palpável para minha eterna comoção, para minha sempre espera, para toda minha calma, para este contentamento, para as lágrimas incontidas, para a vontade sem limites, para o encolhimento do ego, para a sensibilidade exacerbada, para a razão só aumentar a emoção.

Esteve tudo sempre ali não diante do meu nariz, mas bem dentro da minha alma. Desde o meu primeiro olhar, desde o seu primeiro gesto, desde o meu primeiro encanto diante da sua fala. Era só viver, viver, viver e esperar o universo todo se movimentar, com o único e exclusivo intuito de me por diante do seu divino olhar.

Então o cosmo conspirou e disfarçado de acaso, utilizou suas artimanhas: armou encontros improváveis, plantou lembranças inesquecíveis, nos lançou no meio do mundo, nos fez aprender o sofrer e o prazer. Quando tudo parecia mais que esquecido, usou seu golpe de mestre: tornou-se gente, alinhavou os opostos. E no instante sagrado da profecia se cumprir, eu vi o que sempre vi e ela viu o que nunca viu, olhei para a deusa de sempre e ela deu à luz um deus.

[Darshan = visão de um ser sagrado]
[A imagem é da união entre Shiva e Shaktí]

01 julho, 2009




A MORTE E A CACHORRA

Arrastou-se debaixo de sol, tropeçando nas pernas, pisando em carne viva, estalando em cada passo um osso,
Podendo cada um ser muito bem enxergado, colado embaixo do couro.
Do meio do azul seu túmulo espia.
Tombou na sombra dum facheiro, pra num só corisco lembrar:
De suas pegas de boi, dos cafunés, das caçadas, das butijas enterradas.
Chegou a escuridão, um bico lhe arranhou o bucho, do jeito dos cachorros ela
sorriu.



[a ilustração é minha também, de vez em quando me canso de roubar]

29 junho, 2009




TRANSMIMENTO DE PENSAÇÃO

Um “ai” aqui outro aí

Suspiros daqui reverberam
Lábios daí que me esperam

Um “ai” aí outro aqui

Digo as palavras silenciosas
Com transmissões ansiosas

Um “ai” aqui outro aí

Ondas de mais sentimento
Penetram nosso momento

Um “ai” aí outro aqui

Uma sucessão de arrepios
Eriçam poros, pêlos e fios

Um “ai” aqui outro aí

Nossos risos em sincronia
Parece uma grande ironia

Um “ai” aí outro aqui

Para 2 amantes lunáticos
Com poderes telepáticos

Um “ai” aqui outro aí

26 junho, 2009




Eu deveria ter um nome de sentimento universal, um substantivo assim tão abstrato quanto o tudo de concreto que eu sinto por ti. Talvez me chamasse Sonho, se sonhar fosse suficiente para te fazer surgir agora do meu lado. Quem sabe chamassem-me Delírio, se eu fosse capaz de delirar ao ponto de não te ver em tudo que vejo. Destruição seria uma boa alcunha, se porventura eu pudesse destruir a memória de um único sorriso que tu sorristes ou me fizestes sorrir na vida. Poderiam chamar-me Desespero, se desesperar pudesse ser mais forte do que o querer te esperar. Desejo deveria ser uma opção plausível, no entanto desejar é muito pouco para definir esta força movendo-me para teu peito. Morte eu me chamaria, se me fosse permitido morrer antes de te ter completamente na minha vida. Gritariam Destino à minha porta, Destino, Destino, se eu mesmo não tivesse me pré-destinado a ser teu. Então me basta meu nome, com tua língua pronunciando-me nos dentes. Comovendo-me de um jeito tão seu, que eu não quereria ser mais ninguém que não fosse eu mesmo.



CIRANDA DO PÉ QUEBRADO.

Te faria uma ciranda,
Se o mar tivesse perto.
Com rimas cadenciadas
E cheiro de maresia.

Te olharia na varanda,
Se você tivesse perto.
Palavras embaralhadas
Meu peito em agonia.

Te faria uma ciranda,
Se o mar tivesse perto.
No ritmo das passadas,
Tua mão eu pegaria.

Te olharia na varanda,
Se você tivesse perto.
Faria mil palhaçadas
E teu sorriso abriria.

Te faria uma ciranda,
Se o mar tivesse perto.
E em meio às rodadas,
O teu beijo roubaria.

Te olharia na varanda,
Se você tivesse perto.
Enfeitaria as calçadas,
Só pra ver tua alegria.

Te faria uma ciranda,
Te olharia na varanda.
Se o mar tivesse perto,
Se você tivesse perto.

19 junho, 2009


“TE DEI MEUS OLHOS PRA TOMARES CONTA”

Eu te amo

Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir.

[Chico Buarque “ Féla da Puta Genial” de Holanda]

Roubei esta canção para ti, só para descontar as 3 estrofes que esse safado nos roubou da vida. Então, por vingança, o salafrário se mancomunou contigo com o claro intuito de me fazer desaguar. Chorei, Chorei, mas não fiquei com dó de mim não, de jeito nenhum. Como diria Willian Blake, “Excesso de choro ri e excesso de riso chora“. Assim, chorei de sorrir. Então chorei mais e mais ao ouvi-la contigo, mesmo tu estando lá do outro lado do espelho. Quis ser Alice ao invés de Alex nesse exato momento, mas acho que cachos louros e laços não combinam tanto assim comigo. Então cantei, cantei! RS e não foi cruel cantar assim, pois atrás do espelho tinha ouvidos sim. Meus olhos marejaram, mas segurei pra não perder o tom nem o juízo. Portanto e por tudo isso, essa é a parte da trilha sonora que vai tocar nos créditos, depois do happy end e do the end. Porque é justamente depois desses ends, que poderemos viver e envelhecer em paz.

[Alex “Féla da Puta Sortudo” Camilo de Melo]

18 junho, 2009


AI, AI...

Respira, expira, suspira, inspira e o peito continua descompassado. Dois pra lá, dois pra cá, te piso o pé e você nem reclama, deixo de olhar teus pés e olho teu sorriso, eu todo envergonhado. Respira, expira, suspira, inspira... Rodamos no próprio eixo até ficarmos tontos, quase caímos, soltamos gostosas gargalhadas. Suspira, inspira, respira, expira... Te trago contra meu corpo, aperto tua cintura, te rio de lado, meu coração já um pouco mais calmo. Me mordes o lóbulo da orelha e meus pelos se eriçam dos pés a cabeça. Paro a dança e a música continua, dou-te um beijo e tudo pára, tudo vira silêncio, e só se ouve respiração, expiração, suspiros e inspiração, corações batendo no mesmo ritmo descompassado e os sons barulhentos do beijo de quem não está nem aí pra nada, nada, nada.

15 junho, 2009


AÇÃO DE GRAÇAS

Uma noite dessas, parecida com qualquer noite, mas nunca uma noite qualquer: você veio assim, sem mais nem menos, e cumpriu uma promessa com bem mais do que me havia prometido. Algo maior que subir o monte de joelhos, que ir ao Juazeiro de pau-de-arara e beijar os pés do Meu Padim Pade Cíço, que aparecer em Aparecida e rezar mil rosários, que ir a Machu Pichu sacrificar um coração, que ir ao Mojave tomar um porre de peiote, que ir a Fátima tentar roubar o terceiro segredo da Virgem, que fazer o Caminho de Santiago de Compostela virando bunda canastra, quer ir a Capela Sistina pichar os afrescos de Miguel Angelo, que ir a Jerusalém rir do Muro das Lamentações, que ir a Meca e prostrar-se pro lado oposto da Caaba, que se banhar nua no Ganges, que subir o Himalaia e rodar todas as rodas de oração do Tibet, do Nepal e do Butão; que passar 365 dias mais 1 sem tomar um único gole de Fanta Uva. Você mandou um ex-voto, aquelas partes de corpo depositadas no altar em retribuição a graças atendidas, e me mostrou que pra chegar ao Céu, ao Paraíso e ao Nirvana, tudo ao mesmo tempo agora, basta subir devagar a ladeira íngrime que vai de teu cóccix até a nuca.

11 maio, 2009



SONHO LÚCIDO

Sempre parece um belo sonho, daqueles que sempre acabam antes do beijo, o que nos faz apertar os olhos, tentando recomeçá-lo sempre de onde parou. Algo surreal o suficiente pra nos deixar acordados por dias. Segundo dizem, a Terra de Morpheus não está sujeita às regras do espaço/tempo e essas coisas chatíssimas, que desmancham nossos melhores sorrisos. Li muito sobre projeção astral, sempre tive medo de tentar, de não querer mais voltar e ficar voando por aí sem os limites da tridimensionalidade. Mas medo passa, né? Um medo é só um medo e só, né não? E depois, se eu desandar, ainda tem Freud, Jung e tu pra me fazer acordar.

08 abril, 2009


DESPERTAR

Ver-te acordar, bela, desgrenhada, esparramada em uma beira de cama mais tua que minha. Velar teu sono em segredo, sorrir diante do teu ar inocente, esquadrinhar cada naco de carne alva, sentir o gosto de tua respiração, desejar-te mais a cada inspiração. Dar-te o peito de presente, sentir a culpa de atrapalhar teu sono. Querer te acariciar com água e espuma, mesmo sem poder. Sentir-me o mais teu, sentir-te a mais minha nesse recôndito planeta. Interromper tua raiva com um beijo, aceitar as desculpas que nunca precisariam ser pedidas, babar teu pescoço ignorando protestos. Observar-te sonâmbula a pentear os cabelos, que tanto insisto em desarrumar a cada instante. Tentar parar o relógio com o pensamento e conseguir apenas me atrasar. Gostar de me atrasar. Senta-me contigo a mesa e sentir teu hálito de café. Esquecer qualquer coisa, te abrir a porta, te acariciar a perna na zona proibida, sorrir com a delicadeza dos teus lábios em meu ombro. Resistir em te deixar na porta, esperar teu beijo de ponta cabeça. Sair por aí contigo na cabeça, continuar contigo na cabeça, tentar te tirar um pouco da cabeça e fracassar nessa empreitada. Escrever-te algo pretensioso, sem um único pingo de razão pra atrapalhar. Enviar-te esse algo e esperar pra ver o castanho dos meus olhos brilhando em meio ao verde profundo do teu olhar.

13 janeiro, 2009



DESALINHAVO

Do alto de sua audácia, com sua voz de lavadeira, a fraulein me espanta os males, com risos malemolentes de cabrocha preferida. Tem os dengos de uma banto e uns cafunés que me prostram numa gostosa preguiça. Tem pé de cabocla, serpente na boca e dragão nos quadris. No ombro tem um kamon, no braço um patuá, no pé um ramalhete e na nuca rosário de estrelas. Quando me faz cravar-lhe os dentes, geme igual um penitente ajoelhado na igreja. Então pra mostrar seu gosto, fecha os olhos, prende o grito, perde o tino e sem desgosto, fica louca, ensandecida.